Prezado Rafael, congratulações por colocar o tema em discussão. O tema da bitributação já foi enfrentado em diversas oportunidades em nossos tribunais, sendo, na maioria das vezes, rechaçado. Esse posicionamento, aliás, predomina também em nossa doutrina. Não sem razão. Afinal, devemos recordar que o IPI é sucedâneo do imposto de consumo, instituído pela Lei nº 4.502/64, com fundamento no art. 15 da Constituição Federal de 1946, que dispunha: art. 15 - Compete à União decretar impostos sobre: (...) II - consumo de mercadorias; Esta lei foi recepcionada pela Emenda Constitucional 18/65 que contemplou em seu art. 11 a competência da União para instituir o imposto: Art. 11 Compete à União o Imposto Sobre Produtos Industrializados. Com fundamento na EM 18/65, o Decreto Lei nº 34/65, procedeu à mudança do nome do imposto que passou a denominar-se Imposto Sobre Produtos Industrializados. Simples assim. O IPI nasceu de uma simples mudança de denominação. É por assim dizer, um tributo darwiniano, isto é, não foi “criado” mas, sim, evoluiu de um tributo preexistente. Como era natural, manteve as mesmas regras do “imposto velho” dentre estas, a hipótese de incidência que, como antes, é A REALIZAÇÃO DE UMA OPERAÇÃO COM PRODUTO INDUSTRIALIZADO. Tal assertiva encontra amparo na CF/88, conforme segue: Art. 153, § 3º, inciso II - o IPI será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (grifo nosso). Conclui-se, portanto, que a saída do produto do estabelecimento do contribuinte é meramente o aspecto material da hipótese de incidência. A sua concretude. Por essas razões entendo que não se confundem as hipóteses de incidência do IPI e do ICMS, não caracterizando portanto a bitributação tão propalada. É a minha modesta opinião, não obstante respeite as opiniões em contrário. Para concluir, cabe a indagação: como ficaria então a incidência do IPI na saída dos estabalecimentos industriais, se ocorre também a incidência do ICMS? Não haveria também bitributação? Seguindo essa premissa não poderia haver em nenhuma hipótese a incidência concomitante dos dois tributos.
"Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo."
O erro torna-se mais evidente quando examinarmos a decisão em sua totalidade e vislumbramos um evidente paradoxo: ao mesmo tempo que a decisão afirma que o IPI incide sobre a industrialização, admite a incidência do IPI sobre a importação de produtos industrializados no exterior. Ora, se admitirmos que o IPI incide sobre a industrialização, o imposto não poderia - em respeito ao princípio da territorialidade das leis nacionais - incidir sobre uma industrialização ocorrida no exterior. Outro equívoco cometido na decisão ora comentada é afirmar que as hipóteses de fato gerador definidas no incisos I e II, do art. 46, do CTN, são excludentes, isto é, que a ocorrência do fato gerador no desembaraço aduaneiro, impediria outra ocorrência na saída do importador. Esta conclusão era perfeita sob a ótica do dispositivo da Lei nº 4.502/64 que, claramente, impunha aos produtos de procedência estrangeira tão somente a exação no momento da ocorrência do desembaraço aduaneiro. Este dispositivo, entretanto, foi tacitamente revogado pelo art. 46 do CTN, ao dispor de forma diversa sobre o fato gerador do IPI, como se vê da análise do dispositivo transcrito acima. Ao nosso ver, a incidência do IPI na saída do estabelecimento importador é absolutamente constitucional e está em consonância com a legislação infraconstitucional. A afirmativa de que o comerciante não seria contribuinte do imposto, a exemplo dos comerciantes que operam no mercado interno, não faz sentido. O comerciante - seja de produtos nacionais ou estrangeiros - não são contribuintes enquanto não forem equiparados a industrial. Uma vez equiparados passam a ser contribuintes do imposto de acordo com as normas em vigor. É a lei! Acredito que, de tão falha, a decisão da Primeira Seção do STJ seja revisada em breve.
Como vemos, a industrialização é necessária para a que haja a incidência do imposto, entretanto ela não é o fato imponível pelo IPI. O fato imponível pelo IPI é a OPERAÇÃO realizada com o produto. No caso concreto, o que se tributa é a saída do importador com destino ao consumo.
Por fim, se prevalecer esta decisão do STJ, todos os estabelecimentos equiparados a industriais no mercado interno terão que ser desonerados do pagamento do IPI relativo às saídas de seus estabelecimentos de produtos industrializados. E pela mesma razão que ora os importadores estão sendo desonerados: a ausência de industrialização.
Acredito que esta decisão seja brevemente revertida, pois não representa a melhor inteligência da legislação aplicável à matéria.